Só o Meu Corpo Sente

Denúncia I

Nesta noite serena e quente
só o meu corpo está presente
porque a minha alma, ausente,
chora pela minha gente
desgovernada e dependente
dos dirigentes pouco conscientes.
A promiscuidade não tem parente
Meninas ora inocentes
agora, rendidas às modas indecentes
A fome é suficiente
A dor arde quente


Só o meu corpo sente
o calor desta terra quente
Ousada é a minha mente
ciente de que a conversão é urgente.
Na rua crescem delinquentes
que da cadeia eram fregueses frequentes
Nossas crianças doentes
afogadas num abismo chocante,
as vossas, com saúde abundante
A força do dinheiro, imponente
A voz da lei, ainda impotente


Só o meu corpo sente
o odor pútrido e repelente
dos lunáticos pouco convincentes
que seguem as estrelas cadentes
para serem presidentes,
esquecendo-se de que o mais importante
é este povo indulgente
que mexerica mas não mente
Quem não for do mal que aguente
Não importa a patente
Sejais coronel, capitão ou tenente…
não sois o mais valente


Só o meu corpo sente
Porque o meu consciente
da saudade, rejeita o discurso eloquente;
enquanto o meu inconsciente
vive a nostalgia dos homens ausentes
que desta terra são descendentes;
a angústia das mulheres carentes;
o silêncio dos maridos impotentes;
a grosseria das amantes videntes;
a depressão dos filhos insolentes,
a ostentação dos governantes dementes
e a palermice duma oposição indigente


Só o meu corpo sente
A fome da banana e da fruta pão quente,
do calulú, da cachupa e do izaquente.
Eis que lanço as sementes
mesmo com as mãos atadas à corrente
debaixo deste fogo ardente.
Suplico pela ajuda aos meus entes
que sempre estiveram presentes
Contra mim, já tentaram bruxas e serpentes
mas em Deus sou crente
e já desafiei formigas e elefantes.
Dizem que vão desligar os altifalantes
porque sou um filho dissidente,
mas não te apoquentes…
Enquanto o sol se puser no poente
eu, embora pouco inteligente
serei sempre um poeta do oriente
compondo versos impertinentes